Muitos médicos residentes desconhecem que, por força do art. 4º, § 5º da Lei Federal nº 6.932/81[1], que regulamentou a residência médica no Brasil, foram criados os seguintes direitos para o profissional que faz residência: alojamento adequado entre plantões, fornecimento de alimentação, e a concessão de uma moradia permanente. É muito comum que esses dois primeiros direitos citados sejam cumpridos pelos hospitais – daí o motivo pelo qual o direito ao alojamento entre os plantões, e o da alimentação, é os que se tornam conhecidos entre a classe médica.
De fato, são poucos os hospitais que respeitam a obrigação de garantirem uma moradia ao médico durante o período da residência, e a falta de divulgação deste direito o torna desconhecido para a grande maioria dos profissionais. Alguns poucos hospitais fornecem uma estrutura física para a moradia do médico residente, e outros optam apenas por pagar um auxílio financeiro. Contudo, a maior parte dos hospitais brasileiros ainda não fornece uma estrutura física adequada, e tampouco paga algum tipo de auxílio financeiro voltado a garantir esse direito à moradia.
Destaque-se que a lei não estabeleceu nenhum pré-requisito para a concessão do auxílio moradia, de forma que não se faz necessária qualquer comprovação de carência, do pagamento de aluguel, de morada e deslocamento de outro Estado, de ausência de condições financeiras ou qualquer outra circunstância, a fim de justificar o benefício que deve ser garantido, sem distinções. É um direito inquestionável e irredutível do profissional médico, de receber este auxílio. Basta ter feito a residência, e a obrigação de pagar o auxílio moradia existe.
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ToggleDireito ao fornecimento de auxílio moradia para médico residente
O direito ao fornecimento de auxílio-moradia ao médico pode ser exigido diretamente da instituição responsável pelo programa de residência médica a qual o profissional estiver vinculado. E o Poder Judiciário reconhece essa possibilidade, conforme o entendimento firmado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que, na hipótese da instituição não oferecer o alojamento ao médico, deverá garantir o pagamento de um auxílio moradia, tendo reafirmado o posicionamento de que “existindo dispositivo legal peremptório acerca da obrigatoriedade no fornecimento de alojamento e alimentação, não pode tal vantagem submeter-se exclusivamente à discricionariedade administrativa, permitindo a intervenção do Poder Judiciário a partir do momento em que a Administração opta pela inércia não autorizada legalmente” (AgRg nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP n.º 1.339.798, julgado em 22/03/2017).
E mesmo que eventualmente o hospital tenham em seu regulamento interno a previsão da exclusão do fornecimento de moradia no programa de residência, tal condição não a isentaria de garantir o direito previsto na legislação, uma vez que um mero ato interno não pode se sobrepor ao que prevê a lei.
Para o caso do médico que ainda está concluindo a residência médica, basta que se faça um pedido administrativo de concessão do auxílio moradia, que deverá corresponder ao percentual de 30% (trinta porcento) aplicável em face do valor da bolsa recebida mensalmente pela participação no programa. Havendo a negativa administrativa, o médico poderá recorrer ao Poder Judiciário.
Já no caso do médico que já concluiu a residência médica, a única alternativa é o ingresso com uma ação judicial, acompanhado de um advogado especialista, que terá o objetivo de exigir o pagamento retroativo de tudo o que deixou de receber durante a residência, aplicando-se o mesmo percentual de 30% (trinta porcento) da bolsa recebida. Neste caso, o prazo para requerer o auxílio moradia será de 5 (cinco) anos, contados do término da residência, e só poderá ser exigido as parcelas que não foram pagas dentro deste período.
Como a Justiça reconhece esse direito?
Esse percentual de 30% (trinta porcento) citados é respaldado pela jurisprudência já pacificada, conforme se observa:
AUXÍLIO-MORADIA – MÉDICO RESIDENTE – Conversão em pecúnia do período correspondente aos 24 meses de duração da residência médica – Cabimento – Previsão normativa que determina o oferecimento de moradia pela instituição de ensino ao médico residente – Art. 4.º, § 5.º, III, da Lei n. 6.932/81, com redação dada pela Lei n. 12.514/2011 – Ausência de comprovação de ter havido o fornecimento de moradia in natura – Inexistência de previsão legal não deve constituir óbice à conversão em pecúnia – Pagamento de auxílio-moradia na forma de compensação equivalente a 30% do valor da bolsa recebida – Legitimidade passiva do estabelecimento de ensino e de saúde por ser a instituição responsável pelo programa de residência médica oferecido à autora – Precedentes jurisprudenciais da lavra do Colendo STJ, seguida pelos Colégios Recursais do Estado de São Paulo e pela TNU – Recurso improvido.
(TJ-SP – RI: 10133375220228260007 SP 1013337-52.2022.8.26.0007, Relator: Paulo Lúcio Nogueira Filho, Data de Julgamento: 23/11/2022, 5ª Turma Recursal Cível e Criminal, Data de Publicação: 23/11/2022)
ADMINISTRATIVO – AUXÍLIO-MORADIA PARA MÉDICO RESIDENTE – POSSIBILIDADE – ARBITRAMENTO DE VALOR MENSAL – 30% DO VALOR BRUTO DA BOLSA-AUXÍLIO – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA CONFIRMADA POR SUAS PRÓPRIAS RAZÕES – RECURSO IMPROVIDO.
(TJSP; Recurso Inominado Cível 1011500-52.2021.8.26.0053; Relator (a): Fábio Fresca; Órgão Julgador: 2ª Turma – Fazenda Pública; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 1ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 25/11/2021; Data de Registro: 25/11/2021)
ADMINISTRATIVO. AUXÍLIO-MORADIA PARA MÉDICO RESIDENTE.POSSIBILIDADE. ARBITRAMENTO DE VALOR MENSAL.
(…). 5. Considerando a dificuldade de se encontrar um parâmetro factível para ser utilizado, fixa-se o valor mensal no percentual de 30% sobre o valor da bolsa- auxílio paga ao então médico-residente, devido em todos os meses de duração do programa. Este percentual é o que esta Turma Recursal considerou razoável a assegurar o resultado prático equivalente ao auxílio-alimentação e moradia em questão, quando do julgamento dos Recursos Cíveis nº 50510759320144047100 de Relatoria do Juiz Federal Giovani Bigolin e 50041991220164047100, de Relatoria do Juiz Federal Oscar Valente Cardoso (em juízo de retratação), na sessão de 31/08/2017.
6. Destarte, a sentença merece reforma, para se julgar procedente o pedido de pagamento de auxílio-moradia no período em que participou do programa de residência médica, fixando-se o valor mensal no percentual de 30% sobre o valor da bolsa-auxílio paga ao então médico-residente.
(TRF- 4, RECURSO CÍVEL: 50361891620194047100 RS 5036189-16.2019.4.04.7100, Relator: ANDREI PITTEN VELLOSO, Data de Julgamento: 06/05/2020, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS).
ADMINISTRATIVO. AUXÍLIO MORADIA. MÉDICO RESIDENTE. LEI Nº 12.514/2011. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONVERSÃO EM PECÚNIA. CARÁTER PRECÁRIO. ADICIONAL DE COMPENSAÇÃO PREVIDENCIÁRIA.
1. Os médicos-residentes, mesmo após a vigência da Lei n. 10.405/2002, têm direito à alimentação e alojamento no decorrer do período da residência, sendo que, diante do descumprimento desta obrigação de fazer pela parte ré, deve ser convertida em pecúnia mediante fixação de indenização, por arbitramento.
2. A afirmação da parte ré no sentido de que oferece locais de descanso durante o período em que os residentes estão prestando as atividades estritas do programa de residência não é suficiente para afastar a obrigação, na medida em que tal disponibilidade não tem o caráter de moradia, mas sim de garantia de “condições adequadas para repouso e higiene pessoal”, previstas no art. 4º, § 5º, I, da Lei n. 6.932/81, na redação vigente à época.
3. O valor da indenização a ser fixado em casos como este demanda a análise de elementos fático-probatórios a fim de garantir ‘resultado prático equivalente’ ao auxílio devido.
4. A sentença merece reforma para julgar procedente o pedido de pagamento de auxílio-moradia no período em que a recorrente participar do programa de residência médica, fixando-se o valor mensal no percentual de 30% sobre o valor da bolsa-auxílio paga ao médico-residente. (…)
(TRF-4 – RECURSO CÍVEL: 50160657520204047100 RS 5016065-75.2020.4.04.7100, Relator: JOANE UNFER CALDERARO, Data de Julgamento: 26/03/2021, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS)
Destacamos, também, que a obrigação de pagar independe de qual seja a esfera da Administração Pública responsável pelo hospital. Mesmo se tratando de uma Lei Federal, ela é válida para todos os entes da federação, de forma o direito ao auxílio moradia é garantido a quaisquer entes públicos (Estados, Municípios, autarquias e fundações), mesmo que não haja qualquer previsão de leis locais. Portanto, se o médico é, ou foi, residente em qualquer destas instituições, o direito ao auxílio moradia persistirá.
O ideal é que o médico esteja acompanhado de um advogado com atuação especializada no assunto. Uma ação judicial bem construída será suficiente para que o profissional médico tenha grandes chances de obter êxito no Tribunal, uma vez que existe farta jurisprudência favorável, no sentido de reparar o descumprimento deste direito, que pode ter gerado prejuízos.
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[1] Redação do art. 4º, § 5º da Lei Federal nº 6.932/1981:
“Art. 4º. Ao médico-residente é assegurado bolsa no valor de R$2.384,82 (dois mil, trezentos e oitenta e quatro reais e oitenta e dois centavos), em regime especial de treinamento em serviço de 60 (sessenta) horas semanais.
(…)
- 5º A instituição de saúde responsável por programas de residência médica oferecerá ao médico-residente, durante todo o período de residência:
I – condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões;
II – alimentação; e
III – moradia, conforme estabelecido em regulamento.