O artigo analisa criticamente a proposta da ANS de criar planos de saúde "simplificados", com cobertura reduzida, sob o argumento de ampliar o acesso à saúde suplementar. Embora apresentada como inovação regulatória, a medida pode vir a transferir os custos dos tratamentos mais complexos ao SUS, gerar desigualdades no atendimento público, induzir o consumidor ao erro e desestruturar o modelo mutualista que sustenta a saúde privada. Além disso, a proposta pode estar sendo implementada à margem dos critérios legais exigidos para testes regulatórios, conforme o Decreto nº 10.411/2020. O texto defende que a saúde, como direito fundamental, deve ser regulada com responsabilidade técnica e comprom
Planos simplificados da ANS podem ampliar o endividamento e prejudicar o SUS, ao invés de garantir acesso real à saúde. Proposta carece de base legal e análise de impacto.

* Por Evilasio Tenorio da Silva Neto – advogado especialista em Direito da Saúde

 

A recente proposta da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de permitir a comercialização de planos de saúde com cobertura reduzida — os chamados “planos simplificados” — vem ganhando espaço nos debates sobre a regulação do setor. Em nome de uma alegada ampliação do acesso, pretende-se permitir que operadoras ofereçam produtos com escopo limitado de cobertura, à margem das garantias mínimas hoje asseguradas pela Lei nº 9.656/98 e pelas normas da própria ANS.

Embora apresentada como um avanço, a proposta na verdade revela um grave retrocesso, com alto potencial de gerar sobrecarregamento do SUS, violação dos direitos do consumidor, aumento da judicialização e risco de colapso na lógica mutualista da saúde suplementar.

A promessa de acesso mais amplo: argumento falacioso

 O discurso da ANS gira em torno da ideia de que os planos simplificados representariam uma forma mais barata de acesso à saúde privada. Contudo, essa premissa ignora que, sem cobertura adequada, o consumidor arcará sozinho com os custos mais expressivos do tratamento — ou então, será forçado a recorrer ao SUS para continuar o tratamento que começou na rede particular.

Na prática, esse modelo estimula uma dinâmica perversa: o diagnóstico acontece na rede privada, mas o tratamento — principalmente nos casos mais graves ou complexos — é transferido para o sistema público. Isso desonera indevidamente as operadoras, que lucram com mensalidades acessíveis, e transfere o ônus assistencial ao Estado, já pressionado por limitações orçamentárias.

Impactos na equidade e no funcionamento do SUS

A proposta também atenta contra o princípio da equidade no acesso aos serviços públicos. Ao permitir que pessoas com planos limitados ocupem a rede pública para tratamentos caros, pode-se estar diante do surgimento de uma fila paralela dentro do SUS, prejudicando justamente aqueles que não têm nenhuma alternativa privada.

Além disso, a fragmentação da cobertura contribui para a precarização do cuidado em saúde, dificultando a continuidade terapêutica e comprometendo a integralidade do atendimento — um dos pilares constitucionais do sistema de saúde brasileiro.

O perigo do endividamento e da falsa sensação de segurança

A introdução desses produtos “econômicos” no mercado cria o risco real de endividamento das famílias, que, ao descobrirem a inexistência de cobertura para internações, cirurgias ou tratamentos de alto custo, verão-se obrigadas a assumir gastos inesperados.

Mais grave ainda é a possibilidade de que muitos consumidores sejam induzidos a erro no momento da contratação, acreditando equivocadamente estar protegidos por um plano “completo”. Aqui, vislumbra-se violação direta ao Código de Defesa do Consumidor, que veda práticas abusivas e impõe o dever de informação clara, precisa e adequada.

Um teste regulatório à margem da legalidade 

Do ponto de vista jurídico, há outro elemento que compromete a proposta: a ausência de observância aos critérios legais e técnicos que condicionam a realização de testes regulatórios no Brasil, conforme o Decreto nº 10.411/2020 e a Lei nº 13.848/2019 (Lei das Agências Reguladoras).

Essas normas exigem que qualquer projeto-piloto tenha:

  • diagnóstico prévio do problema regulatório,
  • análise de alternativas possíveis,
  • previsão de indicadores de monitoramento,
  • limites temporais e geográficos, e
  • avaliação dos impactos sociais e econômicos envolvidos.
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Até o momento, não se tem notícia de que a ANS tenha cumprido rigorosamente essas exigências. A proposta, portanto, nasce maculada por vício de origem, representando um desvio da função reguladora da agência, que deve proteger o consumidor e garantir o equilíbrio do setor — e não atender aos interesses mercadológicos de operadoras.

Um risco estrutural para a saúde suplementar 

Do ponto de vista estrutural, a medida pode gerar um efeito colateral silencioso, mas devastador: operadoras que hoje oferecem planos completos podem, por razões econômicas, substituir esses produtos por versões minimalistas, transferindo custos ao consumidor ou ao SUS. O resultado seria a erosão do pacto mutualista, em que o risco é compartilhado por todos os segurados, com proteção ampla.

A médio e longo prazo, isso compromete não apenas a lógica dos contratos, mas também a própria credibilidade do setor de saúde suplementar — empurrando ainda mais pessoas para a judicialização da saúde, único caminho restante quando o contrato deixa de cumprir sua função social.

Conclusão 

A proposta dos planos de saúde “simplificados” pode, longe de ampliar efetivamente o acesso à saúde, vir a ampliar apenas o acesso ao endividamento e à frustração de direitos. Em troca de uma mensalidade mais acessível, o consumidor corre o risco de contratar um serviço que, na hora da necessidade, não entrega cobertura suficiente, expondo-o a gastos inesperados, tratamentos interrompidos e à precarização da própria assistência.

Além disso, essa inovação regulatória pode vir a comprometer o equilíbrio do sistema de saúde suplementar, ao incentivar uma migração em massa para produtos minimalistas e ao reduzir a mutualidade que sustenta o setor. Em paralelo, pode ainda sobrecarregar o SUS, ao redirecionar para o sistema público os custos mais elevados de tratamento que deixarem de ser cobertos pelas operadoras privadas.

É fundamental que qualquer proposta que altere a estrutura dos planos de saúde seja construída com base em critérios técnicos rigorosos, com ampla participação social e com avaliação prévia de seus impactos reais — e não como resposta imediata a pressões econômicas do mercado. A saúde é um direito fundamental, e deve ser protegida com responsabilidade, visão de longo prazo e compromisso com o interesse público.

É preciso que a sociedade, os órgãos de controle, o Poder Judiciário e o próprio Congresso Nacional estejam atentos aos riscos dessa flexibilização regulatória, que ameaça desfigurar os avanços civilizatórios conquistados no campo da saúde — tanto no SUS quanto na saúde suplementar.

A saúde não pode ser tratada como um bem de consumo descartável. Trata-se de um direito fundamental, com assento constitucional, e deve ser regulada com responsabilidade, técnica e compromisso social.

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Referências:

JOTA. Idec entra com ação pública contra criação de planos de saúde de menor cobertura. JOTA, 18 abr. 2024. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/idec-entra-com-acao-publica-contra-criacao-de-planos…. Acesso em: 21 abr. 2025.

O GLOBO. Planos simplificados impactam a saúde pública. O Globo, 20 abr. 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/04/planos-simplificados-impactam-a-saude-public…. Acesso em: 21 abr. 2025.

REVISTA PIAUÍ. O plano de saúde Melhoral. Revista piauí, 15 abr. 2024. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/plano-saude-melhoral-ans-cobertura/. Acesso em: 21 abr. 2025.

 

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Fontes: Consultor Jurídico | Jusbrasil | Migalhas

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