Introdução
Você sabia que o SUS é obrigado por lei a fornecer terapias para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), mesmo quando não há clínicas públicas disponíveis? O que pouca gente conhece é que, nesses casos, o tratamento pode — e deve — ser custeado pelo próprio Estado em clínicas particulares.
Neste artigo, você vai entender quais são os direitos garantidos por lei às pessoas com Autismo, como exigir o cumprimento dessas normas e o que fazer quando o SUS se omite ou nega o atendimento. Vamos abordar também decisões judiciais favoráveis, além de orientações práticas para famílias que lutam por um tratamento digno e urgente.
👉 Continue a leitura e descubra como garantir terapias como ABA, fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional pelo SUS — ou com custeio particular pelo Estado.
📘 O que é o Transtorno do Espectro Autista (TEA)?
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, a interação social e o comportamento. O tratamento multidisciplinar precoce é essencial para o desenvolvimento da criança, sendo consenso entre especialistas a necessidade de terapias como:
- Análise do Comportamento Aplicada (ABA);
- Fonoaudiologia;
- Psicologia;
- Terapia Ocupacional.
Essas terapias não são opcionais: são consideradas indispensáveis.
⚖️ O que diz a lei sobre o dever do SUS?
A Constituição Federal, no artigo 196, garante o direito à saúde como dever do Estado. Já a Lei Berenice Piana (Lei 12.764/2012) estabelece a prioridade absoluta no acesso a terapias para pessoas com TEA. Além disso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) assegura o direito à saúde sem discriminação ou barreiras.
Portanto, o SUS tem o dever legal de oferecer as terapias essenciais para o tratamento do Autismo, conforme a prescrição médica individualizada.
🏥 E se o SUS não tiver clínica ou equipe disponível?
Esse é o ponto central: quando o SUS não oferece o serviço diretamente, seja por ausência de clínicas credenciadas, profissionais capacitados ou vagas disponíveis, o Estado deve arcar com os custos em clínica particular. Isso é chamado de “fornecimento por via indireta”, e é respaldado pela jurisprudência de diversos tribunais.
📌 A Justiça já decidiu que a falta de estrutura do SUS não pode limitar o direito à saúde, conforme apontamos no tópico abaixo.
🧾 O que fazer para obter as terapias pelo SUS?
- Solicite o tratamento na Secretaria de Saúde do seu município ou estado.
- Anexe relatório médico detalhado, com indicação das terapias, frequência e urgência.
- Peça uma resposta formal por escrito.
- Se houver negativa ou omissão, procure um advogado especializado e ingresse com uma ação judicial.
Na maioria dos casos, os juízes concedem liminar obrigando o SUS a custear o tratamento em clínica particular imediatamente.
🛠️ O que fazer, se você precisou do tratamento para Autismo e não encontrou clínica no SUS?
Se você buscou atendimento para tratamento do Autismo pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e não encontrou clínicas ou equipes disponíveis, especialmente nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), é possível acionar o Estado para garantir o tratamento em uma clínica particular, às custas do poder público.
Veja o passo a passo recomendado:
- Solicite o tratamento na unidade básica de saúde ou na Secretaria Municipal/Estadual de Saúde: Entregue um relatório médico detalhado, que indique as terapias necessárias (como ABA, fonoaudiologia, psicologia ou TO), com frequência e urgência.
- Exija uma resposta formal: Peça que a negativa ou ausência de oferta seja registrada por escrito. A omissão também caracteriza descumprimento do dever constitucional do SUS.
- Procure um advogado especializado em ações contra o SUS: Com a documentação médica e a prova de que o SUS ou o CAPS não têm vaga ou estrutura, é possível ajuizar uma ação com pedido de liminar para obrigar o custeio do tratamento em clínica particular.
💡 Importante: O direito ao tratamento é garantido por leis federais e pela própria Constituição. A falta de vaga ou de clínica no SUS ou CAPS não elimina o dever do Estado. Pelo contrário — reforça a urgência de uma medida judicial eficaz.
🧩 Jurisprudência reforça o direito
No Agravo de Instrumento 2411163-98.2024.8.13.0000 , o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) determinou que o Estado deve custear o tratamento de uma criança com TEA em clínica particular, considerando a urgência e a ausência de serviços públicos adequados. A decisão mencionou o direito à saúde como um dever do Estado, conforme o artigo 196 da Constituição Federal:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA – DIREITO À SAÚDE – PACIENTE MENOR – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TRATAMENTOS – MÉTODO ABA – RESP. 1.657.156/RJ (TEMA 106) – PRESENÇA DOS REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA PREENCHIDOS – PROBABILIDADE DO DIREITO – FIXAÇÃO DE MULTA PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO – POSSIBILIDADE – DECISÃO REFORMADA – RECURSO PROVIDO – É cediço que os artigos 6º e art . 196 da Constituição Federal estabelecem que a saúde é direito de todos e dever do Estado – O colendo Superior Tribunal de Justiça, em precedente vinculante REsp. nº 1657156/RJ (Tema 106), fixou os requisitos para o custeio pelo Poder Público de tratamento excepcional que não conste de atos normativos do SUS, quais sejam: imprescindibilidade ou necessidade da medicação, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS, incapacidade financeira de arcar com o custo do tratamento e existência de registro do fármaco à ANVISA, observados os usos autorizados pela agência – Hipótese na qual comprovada a imprescindibilidade e urgência do tratamento prescrito ao menor -Recurso provido. (TJ-MG – Agravo de Instrumento: 24111639820248130000, Relator.: Des.(a) Leopoldo Mameluque, Data de Julgamento: 15/10/2024, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/10/2024)
No Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE), o Agravo de Instrumento 0013770-41.2024.8.17.9000 determinou que o Município de Caruaru foi condenado a custear o tratamento multidisciplinar de uma criança com TEA em clínica particular, devido à inexistência de serviços públicos adequados. A decisão enfatizou o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à saúde, além de mencionar a Lei nº 12.764/2012 como base legal para a obrigação do Estado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL . PACIENTE PORTADOR DE AUTISMO INFANTIL (CID10: F84.0) E TDAH (TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE, CID10: F90.0). PEDIDO DE CUSTEIO DO TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR . PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. REJEITADA. OBRIGAÇÃO DO AGRAVANTE. PREVALÊNCIA DO DIREITO À VIDA . PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO UNÂNIME. 1 – Alega, o agravante a ausência do interesse de agir, uma vez que não há resistência à pretensão do autor, quanto à análise do requerimento para a realização do tratamento . Não merece acolhimento a preliminar, pois o demandante ao requerer o tratamento, teve a resposta negativa. 2 – Observa-se que não restou outra medida, senão recorrer ao judiciário para ter a pretensão tutelada, ou seja, a garantia do tratamento multidisciplinar adequado, como determina o art. 196 da Carta da Republica, em que atribui a todos os entes federativos a responsabilidade solidária no atendimento ao direito social fundamental a saúde. 3 – Na hipótese, tanto o interesse-necessidade quanto o interesse-adequação foram respeitados, isso porque o demandante, com o eventual sucesso da ação, certamente obterá um provimento útil, a partir de um meio permitido pelo ordenamento jurídico e legalmente estabelecido para salvaguardar seu suposto direito . Preliminar rejeitada. 4 – Resta claro nos autos originários que a parte agravada (ID nº 162410149), XXXX, é portador de Autismo infantil (CID10: F84.0) e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, CID10: F90.0) . 5 – O neurologista Dr. Alexandre Varela Carvalho, CRM 7395, que acompanha o quadro clínico da criança, atestou a necessidade de tratamento multidisciplinar. 6 – Não restam dúvidas quanto ao estado de saúde da criança e de seu direito ao tratamento pleiteado, visto que não tem condições financeiras para arcar com os custos. 7 – A Lei nº 12 .764/2012 institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e altera o § 3o do art. 98 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. O portador de autismo tem direito ao tratamento especializado, o que engloba, inclusive, instituições particulares, haja vista que o Estado não tratou de se adequar às exigências da sociedade política . 8 – Em que pese a defesa do Ente Estatal afirmar, peremptoriamente, que os métodos indicados pelo médico assistente são, na realidade, métodos educacionais, verifico, na verdade, que tal afirmação possui uma visão antagônica daquela indicada pelo médico que acompanha o menor para o tratamento de sua enfermidade. 9 – Cabe somente ao médico identificar a doença e encontrar o melhor meio para um tratamento eficaz. Assim, sendo a saúde direito de todos e dever do Poder Público, não se poderia permitir que um cidadão não recebesse o tratamento adequado por conta de alegações de cunho econômico ou burocrático, por mais que se reconheça a necessidade de observação dos regramentos formais, pois não se pode perder de vista que eles representam instrumentos e não um fim em si mesmo, havendo de ceder sempre que obstarem a promoção da dignidade humana. 10 – A separação dos poderes não obsta à prestação jurisdicional, haja vista que, na condição de gestor do sistema de saúde, não pode o ente público eximir-se de sua obrigação e ainda postular suprimir do cidadão a garantia constitucional de acesso ao Judiciário, mais acentuadamente quando é o próprio Poder Executivo quem ocasiona a suposta lesão a direito do jurisdicionado . 11 – A Constituição da Republica erigiu a saúde como um direito de todos e dever do Estado (art. 196 da CF e art. 241 da CE), advindo daí a conclusão inarredável de que é obrigação do Estado (gênero, a teor do art. 23, II, da CF), assegurar às pessoas carentes de recursos financeiros o acesso à medicação e tratamentos necessários para a cura de suas enfermidades . 12 – Qualquer norma protetiva da Fazenda Pública, em cotejo com norma e garantia fundamental prevista constitucionalmente, não se sobrepõe. Ao contrário, os direitos à vida e à saúde prevalecem ante qualquer outro valor. 13 – Negado provimento ao Agravo de Instrumento, mantendo-se incólume a decisão atacada. (TJ-PE – Agravo de Instrumento: 00137704120248179000, Relator.: ANTENOR CARDOSO SOARES JUNIOR, Data de Julgamento: 16/09/2024, Gabinete do Des. Waldemir Tavares de Albuquerque Filho (2ª CDP))
Já no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), o agravo de instrumento 5021501-42.2024.8.24.0000 determinou que o Município de Bombinhas sejacompelido a custear o tratamento multidisciplinar de uma criança com TEA em clínica particular, considerando a urgência e a ausência de atendimento na rede pública. A decisão fundamentou-se no direito à saúde e na dignidade da pessoa humana, conforme a Constituição Federal e a Lei nº 13.146/2015:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA AJUIZADA EM FACE DO MUNICÍPIO DE BOMBINHAS. PRETENSO FORNECIMENTO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR ATRAVÉS DE PSICOLOGIA COM MÉTODO ABA, TERAPIA OCUPACIONAL, FONOAUDIOLOGIA, SICOMOTRICIDADE, MUSICOTERAPIA, HIDROTERAPIA E EQUOTERAPIA, TUDO PARA TRATAMENTO DE TRANSTORNO DE ESPECTRO AUTISTA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFERIU O PLEITO DE TUTELA PROVISÓRIA FORMULADO PELO AUTOR PARA DETERMINAR À MUNICIPALIDADE O FORNECIMENTO DO TRATAMENTO DA FORMA PLEITEADA . 1) RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO DE BOMBINHAS. SUPOSTA AUSÊNCIA DE URGÊNCIA. TESE AFASTADA. AUTOR, QUE POSSUI 12 ANOS DE IDADE, É PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA, COM COMPROMETIMENTO LEVE DA LINGUAGEM FUNCIONAL ASSOCIADO AO TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE PREDOMINANTEMENTE DESATENTO CID10 F84 .0, E NO CID11 6A02.0. LAUDO MÉDICO TRAZIDO JUNTO À EXORDIAL QUE ATESTA A URGÊNCIA NA SUJEIÇÃO AO TRATAMENTO PARA QUE SE ALCANCE MELHOR DESENVOLVIMENTO POSSÍVEL E MAIOR INDEPENDÊNCIA NA VIDA ADULTA. ADEMAIS, HÁ DECLARAÇÃO DA APAE PORTO BELO/BOMBINHAS NO SENTIDO DE QUE A CRIANÇA SE ENCONTRA NA FILA DE ESPERA NA POSIÇÃO 48, SEM PREVISÃO DE ATENDIMENTO DEFENDIDA VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES OU ISONOMIA . TESE QUE NÃO VINGA. ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO VISANDO GARANTIR DIREITO FUNDAMENTAL E OBRIGAR O ESTADO A CUMPRIR O DEVER CONSTITUCIONAL DE OFERECIMENTO DE SAÚDE QUE NÃO IMPLICA EM VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES OU À ISONOMIA. PRECEDENTES. ACERTADA A DECISÃO QUE DEFERIU O PLEITO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA NA ORIGEM . RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO DE BOMBINHAS CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5021501-42.2024 .8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Denise de Souza Luiz Francoski, Quinta Câmara de Direito Público, j . 25-06-2024).
As jurisprudências citadas reforçam, de forma clara e objetiva, o entendimento consolidado de que o Estado não pode se eximir de sua responsabilidade diante da ausência de estrutura própria para atendimento de pessoas com TEA. Assim, a garantia do direito à saúde deve prevalecer sobre questões administrativas ou orçamentárias.
Com isso, diante da comprovada necessidade médica e da inexistência de oferta adequada pelo SUS, o custeio do tratamento em clínica particular não é apenas legítimo — é uma exigência constitucional e judicialmente reconhecida.
✅ Conclusão: não aceite a omissão do Estado
Se o SUS não possui vaga ou clínica para atender seu filho ou familiar com TEA, o Estado continua obrigado a custear o tratamento na rede privada. Esse direito é respaldado pela Constituição, por leis específicas e por inúmeras decisões judiciais.
Buscar esse direito não é privilégio — é garantir dignidade, desenvolvimento e futuro para quem vive com Autismo.