Nos últimos anos, o Incidente de Assunção de Competência (IAC) do Autismo de nº 0018952-81.2019.8.17.9000, julgado pela Seção Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), tornou-se um marco na defesa do direito ao tratamento digno para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
A decisão histórica obrigava os planos de saúde a custearem terapias essenciais – como ABA, TEACCH, integração sensorial e até terapias especiais como musicoterapia, equoterapia e hidroterapia – conforme a prescrição do médico responsável.
Mas na última semana, uma nova reviravolta jurídica sacudiu esse cenário.
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Toggle📌 O que aconteceu?
No dia 10/04/2025, a 1ª Vice-Presidência do TJPE acolheu, em parte, o pedido de efeito suspensivo (número 0004470-21.2025.8.17.9000) atrelado ao Recurso Especial de uma operadora de saúde (SulAmérica), que recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra o IAC.
A operadora alegou que o tribunal estadual teria ultrapassado os limites da causa julgada e invadido competências regulatórias da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Além disso, apontou risco de desequilíbrio econômico nos contratos de plano de saúde.
A decisão do TJPE não anulou o IAC, mas concedeu o chamado efeito suspensivo modulado. Isso significa que o conteúdo do IAC continua válido, mas sua aplicação como “regra obrigatória” está suspensa até que o STJ dê a palavra final sobre o tema.
⚖️ O que isso significa, na prática?
- O IAC não é mais obrigatório. Mas ainda vale: O conteúdo das teses permanece intacto e pode ser adotado pelos juízes. Porém, não há mais a obrigação de seguir o precedente, o que exige que os advogados reforcem seus argumentos caso a caso.
- Os processos continuam tramitando normalmente: Ao contrário do que ocorre em outros tipos de precedentes, os processos que discutem cobertura de terapias para TEA não estão suspensos. Ou seja, o Judiciário pernambucano pode (e deve) seguir julgando as ações sobre o tema, inclusive com base no próprio IAC, caso entenda adequado.
- Cada juiz terá liberdade de decidir:A decisão da Vice-Presidência reconhece que os magistrados podem adotar posicionamento diverso, desde que devidamente fundamentado. Isso pode gerar mais insegurança jurídica temporária, porque em virtude da força vinculante que havia, muitos juízes concediam liminares para fornecimento dos tratamentos mesmo sem concordarem com esta obrigação de cobertura. Agora, sem a força vinculante, o juiz poderá negar a liminar.
- O STJ decidirá de forma definitiva: O recurso da SulAmérica está em trâmite no STJ, que já discute o Tema Repetitivo 1.295, envolvendo justamente a possibilidade de limitação de terapias para pessoas com transtornos do neurodesenvolvimento. A decisão do STJ terá repercussão nacional e poderá consolidar (ou não) a tese defendida no IAC pernambucano.
🎯 O que muda para as famílias e os pacientes?
É natural que essa notícia gere apreensão. Afinal, muitos pais e mães que dependem da Justiça para garantir o tratamento dos seus filhos com autismo veem no IAC um verdadeiro instrumento de justiça e dignidade.
A boa notícia é que o IAC ainda é um precedente forte, com alto poder persuasivo, construído a partir de uma decisão unânime, técnica, e com participação ampla da sociedade civil e entidades especializadas. Os fundamentos permanecem válidos e têm servido como referência em tribunais de todo o país.
A má notícia é que, até que o STJ julgue o recurso, não há mais garantia de aplicação automática do entendimento. Isso exige atenção redobrada dos advogados e uma atuação ainda mais estratégica na argumentação jurídica.
📣 O que dizem os especialistas?
Na condição de advogado atuante na área da saúde, entendo que a suspensão da força vinculante do IAC não representa retrocesso automático, mas sim uma pausa técnica para aguardar o desfecho no STJ.
No entanto, é preciso estar alerta: os direitos das pessoas com TEA não podem esperar indefinidamente. A judicialização continuará sendo uma ferramenta indispensável até que o sistema de saúde, público e privado, cumpra de forma efetiva as garantias previstas na Constituição e em leis como a Lei Berenice Piana (Lei 12.764/2012).
✅ Conclusão: o que fazer agora?
- Para os familiares e pacientes: continuem buscando seus direitos. O IAC segue sendo um excelente respaldo.
- Para os advogados: reforcem a fundamentação individualizada, demonstrem a urgência da terapia e destaquem o risco de dano irreversível à saúde.
- Para o Judiciário: sensibilidade e coerência com a jurisprudência já formada são essenciais, mesmo com a suspensão da vinculação obrigatória.
O caminho da inclusão e da justiça para as pessoas com TEA continua – e não há retrocesso que apague o que já foi conquistado.